“Meu negócio é a música”, enfatiza Gal Costa, já irritada, para repórter que insistia em arrancar declarações da cantora sobre amor e sexo. Passada em 1968, a cena do filme Meu nome é Gal diz muito sobre Maria da Graça Costa Penna Burgos (26 de setembro de 1945 – 9 de novembro de 2022) e também sobre a cinebiografia estrelada por Sophie Charlotte sob direção de Dandara Ferreira e Lô Politi.
Apresentado pela primeira vez ao público carioca na noite de ontem, 7 de outubro, como hors concours da mostra Premiére Brasil da 25ª edição do Festival do Rio, Meu nome é Gal é filme sobre música para quem gosta de música e especialmente da voz imortal de Gal.
Ainda que o endurecimento da repressão a partir de 1968 imprima certa tensão dramática na segunda metade do roteiro, a narrativa do filme se desenvolve cronologicamente sem grandes sobressaltos ao mostrar a gênese e a consolidação de Gal Costa como cantora no período que vai de 1966 – ano em que a tímida Gracinha se mudou para a cidade do Rio de Janeiro (RJ), vinda da Bahia, como cantara no samba de Gilberto Gil que gravara para single editado em 1965 – a 1971, ano do emblemático show originalmente intitulado Gal a todo vapor.
As viradas são estéticas. Ao longo desses cinco anos, o filme mostra como Gracinha virou Gal Costa, cumprindo o destino da menina que, na Salvador (BA) natal, punha a cabeça dentro da panela para experimentar as possibilidades da voz ainda em processo de crescimento.
Na pele de Gal, a atriz Sophie Charlotte brilha da primeira à última cena, cantando bem músicas como a doce Fruta Gogoia (tema do folclore baiano revitalizado por Gal no show de 1971). Feita a ressalva de que a voz de Gal era / é única e inigualável, como fica claro quando Sophie interpreta (bem) o rock tropicalista Divino maravilhoso (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1968) e o samba Meu nome é Gal (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969), pode-se dizer que a atriz vive Gal com toda credibilidade.
Da mesma forma que soam críveis as personificações de Caetano Veloso e Gilberto Gil pelos atores Rodrigo Lelis e Dan Ferreira, respectivamente, sendo que Caetano figura como coprotagonista no roteiro, em papel compatível com a importância fundamental do artista na trajetória de Gal, sobretudo nessa fase inicial em que, da cantora devota de são João Gilberto (1931 – 2019), a baiana se transformou na musa tropicalista do canto exteriorizado de músicas gravadas com guitarras.